Memorial de Leandro Nogueira Dias: uma história da superação do silêncio ao grito da luta e resistência por várias outras vozes
DOI:
https://doi.org/10.15628/rbept.2021.12875Resumo
O presente e poético memorial foi escrito no segundo semestre de 2018 pelo, então, jovem professor do Instituto Federal do Maranhão, Leandro Nogueira Dias, para a ocasião de definição de orientador(a) no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional (ProfEPT) do Instituto Federal de Goiás, Câmpus Anapólis. Escrito com as vívidas e concretas tintas de sua vida pessoal, acadêmica e profissional, o texto carrega a densidade da escolha de um objeto de estudo brotado do sofrimento e, posterior e concomitamente, da alegria da escolha de se reconhecer e de se dar a conhecer como sujeito homessexual feminino perante a família e a sociedade.
Seu objeto, a invisibilidade dos sujeitos LGBTI+ pelas práticas pedagógicas na educação profissional e tecnológica, tem, portanto, como ponto de partida sua materialidade histórica com suas condicionalidades. No decurso das cinco partes do Memorial, o leitor tem catárticos encontros com o Leandro enquanto um sujeito social, ativo e condicionante da construção social que, determinado a intervir na estrutura, vai se desvencilhando do casulo para as metamorfoses enquanto ser humano, recriando-se e se autocondicionando-se apesar dos “conquanto que”.
Na primeira parte, intitulada “Quando tudo começou, era para ser apenas brincadeira de toda criança”, Leandro, a partir de uma perspectiva sociointeracionista da infância, rememora suas vivências nos primeiros anos da década de 90, tanto no sítio no interior de Tocantins quanto sobre seu ingresso na escola. Ao tratar sobre esses contextos, ele recupera suas memórias sobre o “brincar”: enquanto naquele não havia distinção entre brincadeiras, coisas (e etc) de meninos e de meninas; neste vivenciou o diametralmente o oposto. Balizando gênero enquanto sexo (de nascimento), a escola da educação infantil, cuja finalidade precípua é oportunizar condições do desenvolvimento de aprendizagem por meio da brincadeira, do cuidado, do afeto, da socialização e da autonomia da criança para criar e produzir saberes a partir de suas vivências e experiências no espaço escolar e fora dele, passou a ser para o Leandro um lugar de repressões, de imposições de comportamentos ditos para homens ou para mulheres, de início de encasulamento...
Na segunda parte (Anos Fundamentais: o menino com os sofrimentos de menina), intensifica-se o mutismo das práticas pedagógicas em relação às ações de bullying e violência sexual sofridas pelo Leandro no espaço escolar. Sem pensar e agir sobre uma educação sexual ancorada no determinismo biológico e religioso, a escola seguia reproduzindo modelos sociais conservadores e excludentes, bem como relações hegemônicas heteronormativas, heterossexista e patriarcais. Por sua vez, o Leandro seguiu encausulando-se em sua dor, angústia, ocultamento de sua sexualidade...
Com um rigor teórico que uma análise marxista exige, Leandro escreve a terceira parte de seu memorial, a saber Vida é mesmo uma bobagem ou uma irrelevância. Adensa, primeiramente, sobre sua subjetividade, trazendo a tona uma discussão sobre a fragilidade humana em face da violência, cuja face é a de ausência de amor do outro pelo outro. Em seguida, resgata suas memórias do ensino médio. Foi aqui nessa etapa da Educação Básica, mais especificamente por força do universo da leitura, da literatura e do teatro, que ele sofre sua primeira mudança, tornando-se uma crisálida que brilha no palco, mas que fora dele se rehumaniza e compreende, radicalmente, o sentido do respeito, da tolerância, das diferenças e da alteridade.
Por fim, na quarta e quinta partes, nomeadas “Na educação superior: a Borboleta sai do casulo” e “ProfEPT: Do silêncio ao grito, luta e resistência”, Leandro tece sobre seu período de metamorfose, que é marcado por sua brilhante trajetória acadêmica e profissional, que vai de estudante de Pedagogia a estudante de pós-graduações lato e stricto sensu, e ainda de assistente na Defensoria Pública do estado de Tocantins, a assistente administrativo do Instituto Federal de Tocantins, e por fim, a docente no Instituto Federal do Maranhão em apenas seis anos.
E, foi no contexto escolar, mais particularmente o da EPT, que Leandro não se limitou a compreender o mundo como os filósofos idealistas. Em alternativa, pôde atuar de forma pronta e radical na transformação das práticas pedagógicas conservadoras que vivenciou na educação básica. Orquestrou, destarte, dois projetos interventivos “xô assédio: bate- papo sobre elas, com eles e elas!”) e “Põe a cara no sol, querida, com o objeto de constituir e consolidar um coletivo horizontal constituído por docentes e discentes, que visava a promover ações de empoderamento e de emancipação das minorias LGBTI+ contra todas as formas de preconceito, discriminação, bullying e homofobia dentro daquela escola e dos distintos espaços sociais.
Não obstante ao seu (re)encontro, um acidente de moto ocorrido no dia 31 de julho de 2020, ceifou de forma trágica a vida de Leandro. É, por isso, que este texto foi escrito por mim, como uma forma de homenagear um ser humano belo e pleno que apesar dos desencontro pela vida, pôde alçar vôo e inspirar tantos de nós a farfalhas as nossas asas. E, é sob este colorido mais arco-íris que convido a você a ler este vívido (para sempre) memorial.
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